domingo, 30 de julho de 2023

Norah Jones - First Sessions

Alguns artistas já nascem prontos. Basta ouvir suas primeiras sessões de gravação para entender bem isso. Se tem dúvidas procure ouvir as primeiras gravações de alguns mitos da música no passado como, por exemplo, Elvis Presley ou The Beatles. Tirando a maior falta de experiência todos eles já se pareciam em quase tudo com o que um dia iriam se tornar. Elvis já era Elvis na Sun Records. O mesmo com os Beatles na Decca. Duvida? Basta ouvir. O mesmo se aplica aqui, tirando obviamente as devidas proporções, nesse primeiro EP (compacto duplo na definição da velha escola) da cantora Norah Jones. São apenas cinco faixas, mas Norah já é Norah. Engraçado que essas primeiras gravações conseguem ser extremamente superiores inclusive ao que ela vem apresentando ultimamente em seus CDs. A cantora está involuindo? Não necessariamente. Acredito que o grande problema para Norah nos dias atuais é a escolha errada de repertório. Ela tentou mudar nesses últimos tempos, o que vejo como um erro. Alguém precisa lembrar a ela a velha máxima de que "em time que se está ganhando não se mexe".

Pois bem. Nesses primeiros registros já temos uma amostra do talento de Norah Jones, algo que ficaria claro em seu primeiro álbum oficial - que venderia milhões e seria consagrado pela crítica e público. A seleção musical é das melhores, com Norah simplesmente perfeita. Quando ouvi pela primeira vez o CD há muitos anos, percebi já em primeira audição de forma imediata, o extremo bom gosto das faixas. Hoje em dia é algo raro - até mesmo entre colecionadores - adquirir a primeira edição do EP, isso porque foram produzidos apenas 10 mil cópias. Norah Jones praticamente bancou de forma independente sua estreia nos estúdios, os vendendo geralmente ao público que comparecia em seus primeiros concertos. Mais indie do que isso impossível. Na seleção alguns verdadeiros clássicos do repertório de Norah com destaque para "Don't Know Why" (que verdadeiramente amo de paixão) e "Lonestar" (baladinha country que me faz ainda ter esperanças no gênero). Em suma, um belo trabalho que demonstra acima de tudo que Norah já estava pronta desde os seus primeiros momentos dentro de um estúdio. Talento já nasce com o artista, não tem jeito.

Norah Jones - First Sessions (2001)
Don't Know Why
Come Away with Me
Something Is Calling
Turn Me
Lonestar
Peace

Pablo Aluísio.

sexta-feira, 28 de julho de 2023

Adele - 25

Bom, não é novidade para ninguém que Adele dominou o cenário musical nesse fim de ano. Esse seu novo álbum "25" conseguiu vender apenas em sua primeira semana mais de 3 milhões e 300 mil cópias apenas dentro no mercado americano! Números dessa magnitude em um tempo em que a indústria fonográfica está praticamente falida são realmente de se surpreender. E a cantora anunciou na semana passada que vai começar uma grande turnê mundial, ou seja, muito provavelmente esse CD consiga atingir a marca dos dez milhões de cópias vendidas em pouco tempo, sem esquecer que o álbum já é o mais vendido do ano. São números impressionantes e o melhor de tudo é que eles refletem um bom trabalho, digno de todo esse êxito comercial. Vejo em Adele várias coisas positivas.

O mundo da música de uma maneira em geral vem sofrendo muito nos últimos anos com fórmulas que se repetem e se desgastam muito rapidamente. Depois que o Rock entrou em decadência - de maneira até justa, devemos confessar - a indústria correu atrás de outros gêneros musicais para sobreviver. Tivemos o advento do rap e do hip hop (com resultados sofríveis) e depois a massificação de artistas da linha pop adolescente, algo que se você tiver mais de 16 anos dificilmente irá se interessar. De uma hora para outra as pessoas com um gosto musical mais refinado ficaram praticamente sem ter o que ouvir. Apenas cantoras geniais como Norah Jones, com seu jazz sofisticado e rico, conseguiram romper essa barreira que havia se criado.

Adele também se encontra nesse pequeno grupo de artistas talentosos que conseguem fazer sucesso. A receita dela, como todos sabem, é investir de forma bem sincera em um romantismo latente, que procura criar um vínculo diretamente com o coração de seu público. Aliás credito o sucesso de Adele a essa necessidade das pessoas em terem algum artista que represente esse lado mais sentimental da vida de cada um de nós. Em um mundo onde o cinismo e o desamor parecem imperar de forma absoluta, a cantora Adele consegue com coragem romper esse escudo de insensibilidade que se criou no meio social. Ela canta sobre amor e sentimento e não parece ter a menor vergonha disso, o que acaba deixando até mesmo embaraçados os cínicos de plantão. Até porque esses que transformaram o amor em piada e escárnio já morreram internamente.

Adele supera todos eles com apenas algumas notas musicais. É uma ótima intérprete e compositora, sempre muito sincera em expressar aquilo que sente. Também indiretamente traz uma bela mensagem subliminar para suas admiradoras, mostrando que uma mulher pode ser bonita e desejada sendo apenas uma pessoa comum. Ela certamente não se enquadra dentro dos padrões rígidos que são impostos pelo mundo da moda e da beleza, do marketing agressivo. Ao invés disso tem uma imagem de uma mulher normal, sem loucuras de tentar ser o que não é. Sua imagem me passa uma sinceridade tocante. Afinal apenas pessoas vazias e destituídas de profundidade julgam alguém apenas pela aparência. Uma cantora cheia de atitude e sentimentos sinceros. Algo que faltava muito no combalido mundo musical dos dias atuais. Assim não deixe de ouvir "25". Vai ser uma ótima audição.

Adele - 25
1. Hello
2. Send My Love (To Your New Lover)
3. I Miss You
4. When We Were Young
5. Remedy
6. Water Under the Bridge
7. River Lea
8. Love in the Dark
9. Million Years Ago
10. All I Ask
11. Sweetest Devotion

Pablo Aluísio.

terça-feira, 25 de julho de 2023

A-ha - Hunting High and Low

Vindo da distante e fria Noruega, o A-ha conseguiu o improvável. Cantando em inglês o trio conseguiu se destacar nas paradas americanas, fato completamente raro para um grupo norueguês. A sorte desses rapazes começou a mudar quando eles finalmente conseguiram um contrato com a poderosa gravadora Warner que resolveu acreditar nas músicas do A-ha após dar uma chance ao grupo. O trio era formado por um talentoso cantor, Morten Harket, que tinha bom visual e conseguia alcançar notas impossíveis, algumas delas inalcançáveis para muitos interpretes de sua idade, por um compositor produtivo e cheio de idéias criativas, Pål Waaktaar, e finalmente por um tecladista que colaborava com arranjos inspirados, Magne Furuholmen.  O álbum traria uma fórmula que seria seguida pelos três discos seguintes do grupo. Geralmente havia uma grande balada dando nome ao álbum, seguida por músicas com forte vocação ao sucesso radiofônico (o A-ha se notabilizou pelos refrões pegajosos e de fácil assimilação).

O carro chefe do disco foi a dançante “Take On Me” que foi lançada também em single, ganhando ainda um clip que ficou famoso na MTV americana. Nele havia uma fusão de atores reais (Live Action) com animação. Junte-se a isso o estouro dos primeiros concertos do grupo nos EUA e você entenderá porque o disco vendeu tanto (10 milhões de cópias, uma das estréias mais bem sucedidas do ponto de vista comercial da história da música). Na época houve quem classificasse o A-ha como mais uma boy band como muitas que surgiam a cada mês mas a comparação era completamente descabida. O trio era formado por músicos de verdade e vinha para ficar como provaram seus álbuns posteriores. No final daquele ano eles foram indicados como uma das bandas mais promissoras do cenário musical. A critica também gostou de seu pop dançante e romântico. Para celebrar (e relembrar) tanto sucesso o grupo resolveu relançar recentemente em CD “Edição Deluxe” o seu disco de estréia. Com várias faixas bônus em 2 CDs e encarte de luxo “Hunting High and Low” voltava às lojas tantos anos depois de seu lançamento como um verdadeiro presente para os fãs do grupo norueguês. Um relançamento mais do que bem-vindo.

1. Take on Me (Waaktaar / Furuholmen / Harket) - Essa música é o marco zero da carreira do A-ha. Ela já havia sido gravada em forma de fita demo na Noruega quando o A-ha ainda nem era conhecido ou famoso. Só após o grupo fechar um contrato com a filial da Warner Bros em Londres é que as coisas começaram a realmente acontecer. O estúdio americano acreditou no sucesso da faixa e decidiu produzir um clip para a canção. Esse videoclip logo se tornou muito popular na TV americana, justamente por combinar cenas com atores reais e desenhos animados. Em plena era do nascimento da MTV, canal especializado em música, o video acabou se tornando um dos mais queridos pelo público jovem. "Take On Me" chegou ao primeiro lugar da mais prestigiada parada de música dos Estados Unidos, a Billboard Hot 100 e em diversos outros países. De fato o A-ha teve uma das estreias mais explosivas da década de 80. Nada parecia igual. E o sucesso continuou depois com a edição do LP "Hunting High and Low" que tinha justamente essa música como seu carro chefe. É curioso que o A-ha tenha tido um ótimo começo no mercado americano, mas depois, com o passar dos anos, tenha se afastado desse mesmo mercado fonográfico. Hoje em dia a banda é muito mais consumida na Europa (em especial Alemanha e países nórdicos) do que na América. O hit fulminante de sua estreia acabou não se consolidando com o tempo.

2. Train of Thought (Waaktaar) - Uma das faixas mais bem produzidas desse álbum se chama "Train of Thought". Se trata de uma composição solo do guitarrista Pål Waaktaar. Embora a música não tenha sido necessariamente um hit, um sucesso, pois sua melhor posição foi a oitava na parada britânica, temos que admitir que é sem dúvida um dos melhores momentos do disco, ganhando muitos pontos a favor no quesito arranjos e ambientação. A letra também é excepcionalmente bem escrita, diria até que tem uma linguagem realmente cinematográfica, com foco nos detalhes, nos cenários, nos objetos de cena. É quase um roteiro de um filme dos anos 80. Se tem dúvidas sobre isso, leia esses versões da primeira estrofe da música: "Ele gosta de ter no jornal da manhã / As palavras cruzadas resolvidas / Palavras sobem, palavras descem / Para a frente, para trás, de trás para frente / Ele pega uma pilha de cartas e uma pequena valise / Desaparece para dentro de um escritório / É mais um dia de trabalho". Certamente poderia ser um roteiro de cinema, tudo está nos versos, a cena inteira descrita.

3. Hunting High and Low (Waaktaar) - A música título do álbum iria inaugurar uma tradição na discografia do A-ha, a de sempre usar baladas como canções que davam nome aos discos que viriam a seguir. "Hunting High and Low" tinha os elementos certos naquela fase da carreira do grupo. Inicialmente o grupo gravou uma primeira versão com uso muito abusivo de sintetizadores. Coube ao produtor Alan Tarney mudar os arranjos,apostando na participação de um belo som orquestral. Isso melhorou muito a canção e fez com que ela hoje em dia não soasse datada. A letra era bem romântica e evocativa, mostrando um homem apaixonado não conformado com o fim de seu romance, dizendo que iria lutar por aquele amor, a procurando por todos os lugares, escalando as maiores montanhas em busca da amada. Ficou bonito, apenas um pouquinho sentimental demais, como se um poeta da segunda geração romântica a tivesse escrito. Mesmo assim com o som da orquestra e um belo vocal o resultado final não ficou menos do que excelente..

4. The Blue Sky (Waaktaar) - Na Inglaterra a canção Hunting High and Low foi lançada como single trazendo "The Blue Sky" como lado B. Essa segunda faixa, mais uma composição do talentoso Pål Waaktaar, tem um ritmo bonito, mas acredito que o excesso de uso de seu refrão a prejudicou um pouco. É uma composição que se encaixa perfeitamente como uma coadjuvante dentro do álbum, por isso não alcançou maior repercussão nas paradas e nem foi muito utilizada pelo grupo em seus shows ao vivo. É mesmo um autêntico lado B do A-ha.

5. Living a Boy's Adventure Tale (Waaktaar / Harket) - O quadro se repete um pouco em "Living a Boy's Adventure Tale". Aqui temos uma melodia bem bonita, valorizada ainda mais pelos belos vocais de Morten Harket. A canção é outra composição feita exclusivamente por Pål Waaktaar que por cortesia e cordialidade aceitou colocar o vocalista como co-autor por causa de algumas sugestões dadas por ele dentro do estúdio. A sonoridade leve e relaxante também bebeu da fonte do rock escocês dos anos 80 A influência fica bem clara no uso orquestral ao fundo, característica de muitas bandas de Edimburgo daquele período.

6. The Sun Always Shines on TV (Waaktaar) - "The Sun Always Shines on TV" foi outro grande sucesso desse álbum. Foi lançada também como single, o terceiro extraído desse disco. Sucesso nas rádios, consolidou ainda mais a fama do A-ha na Europa e nos Estados Unidos. Também deu origem a um excelente videoclip, bem no momento em que o mundo da música ia popularizando ainda mais esse tipo de vídeo promocional. Tempos de MTV em seu nascimento e auge. É um clássico do A-ha.

7. And You Tell Me (Waaktaar) - "And You Tell Me" é uma faixa mais secundária dentro do disco. Tem uma bela melodia, muito bonita, porém é inegável que seus arranjos com uso intenso de sintetizadores a datou bastante. Uma boa ideia para o grupo seria gravar uma nova versão dessa bela balada apenas no estilo acústico, voz e violão e quem sabe um bonito arranjo de quarteto de cordas ao fundo. Ficaria muito bonita de se ouvir realmente. Aqui temos mesmo que ignorar os arranjos dos anos 80 para se chegar no núcleo da canção, de suas notas. Nesse aspecto continua sendo uma maravilha.

8. Love is Reason (Furuholmen) - Outro hit do álbum, só que em menor escala, foi "Love is Reason", Voltando pela memória aos anos 80 me recordo bem que essa música foi bastante tocada nas rádios na época. Curiosamente não ficou datada, mantendo-se firme mesmo após tantos anos de seu lançamento original. A composição é do tecladista Magne Furuholmen. Durante toda a carreira do A-ha ele nunca foi o criador mais habitual das músicas, esse posto sempre coube ao guitarrista Paul Waaktaar. Mesmo assim se saiu muito bem nessa baladinha que até hoje empolga e faz o ouvinte querer estar numa pista de dança..

9. I Dream Myself Alive (Waaktaar / Furuholmen) - A canção "I Dream Myself Alive" é uma dobradinha entre Magne Furuholmen e Paul Waaktaar. Essa sempre foi um Lado B do A-ha pois nunca fez muito sucesso, não conseguindo se destacar nas paradas da época. Tem um refrão pegajoso que se repete várias vezes ao longo de sua audição. Não acho particularmente uma das melhores coisas do disco. Mereceu esse papel mais coadjuvante dentro do repertório do LP.

10. Here I Stand and Face the Rain (Waaktaar) - "Here I Stand and Face the Rain" é uma faixa forte do disco. Uma bela criação solo de Paul Waaktaar. Esse tipo de som me faz lembrar muito de seu trabalho no Savoy. Tem esse estilo mais clássico, diria até quase épica. Aqui não há o que criticar em termos de arranjos. A gravação ficou mesmo excelente, imune à passagem dos anos. Grande trabalho do grupo como um todo onde tudo está perfeitamente no lugar certo.

A-ha - A-ha - Hunting High and Low (1985) - Magne Furuholmen (teclados) / Morten Harket (vocal) / Pål Waaktaar (guitarra) / Compositores: Magne Furuholmen / Morten Harket / Pål Waaktaar / Data de Gravação: dezembro de 1984 / Gravadora: Warner Bros / Local de Gravação: Warner Studios, Londres / Produção: John Ratcliff Alan Tarney.

Pablo Aluísio.

sexta-feira, 21 de julho de 2023

Michael Jackson - Off the Wall

Não é o primeiro disco solo da carreira de Michael Jackson como muitos escrevem por aí. Na verdade Michael já tinha gravado discos solos  antes, quando era apenas um garoto como por exemplo "Got to Be There" e "Ben", ambos de 1972 ainda no selo Motown. Aqui o que temos é o primeiro álbum solo da fase mais magnífica da carreira do cantor quando ele começou a se tornar um artista ícone do mundo pop. Não resta dúvida que a musicalidade desse disco marcou toda uma época. Praticamente todas as faixas viraram hits e Michael começou sua escalada rumo ao Olimpo dos deuses do mundo da música. Seu álbum seguinte, "Thriller" de 1982, se tornaria o disco mais vendido de todos os tempos.

Importante chamar a atenção para o fato de que todos os maneirismos vocais e de performance que Michael iria polir à perfeição no disco seguinte já podem ser encontrados aqui nessas faixas. Em termos de composição Michael ainda se utiliza de outros compositores como o aclamado Stevie Wonder (que escreveu a ótima "I Can't Help It") e Paul McCartney (que tem sua simpática "Girlfriend" do disco "London Town" regravada em excelente versão de Jackson). É um disco coeso, ainda com nuances do movimento Disco que imperava nas paradas daquela época. Um álbum feito para tocar nas rádios e fazer sucesso, algo que Michael Jackson sabia fazer muito bem. / Estúdio Selo: Epic / Produção: Quincy Jones, Michael Jackson / Formato Original: Vinil / Músicos: Michael Jackson, Randy Jackson, Larry Carlton, David Foster, Louis Johnson, John "JR" Robinson, Phil Upchurch, David Williams, entre outros.

Michael Jackson - Off the Wall (1979)
Don't Stop 'Til You Get Enough 
Rock with You 
Working Day and Night 
Get on the Floor 
Off the Wall 
Girlfriend 
She's Out of My Life 
I Can't Help It 
It's the Falling in Love 
Burn This Disco Out.

Pablo Aluísio.

terça-feira, 18 de julho de 2023

Madonna - Madonna (1983)

Esse foi o primeiro disco de Madonna. Ela era uma aposta da Warner para vencer no concorrido mercado pop que naquela época começava a ganhar destaque nas paradas de sucesso. O rock já demonstrava sinais de saturação e com o advento do Heavy Metal ganhava ares de nicho muito específico. As gravadoras por sua vez queriam algo mais genérico e a Pop Music se mostrava muito adequada para isso. Madonna assim foi ao mercado com o firme objetivo de fazer muito sucesso e vender muitos discos. Com uma pose de jovem rebelde sem freios logo conquistou uma legião de fãs, principalmente entre as adolescentes dos anos 80. Usando um figurino próprio e exótico a cantora praticamente criou a imagem da cantora pop que iria ser imitada à exaustão nos anos seguintes. Ao ouvir novamente esse álbum logo descobrimos que dentre todos os gêneros musicais o Pop seja talvez o que tenha a data de validade mais fugaz. Praticamente todas as faixas soam hoje em dia completamente datadas, com arranjos ultrapassados, cheios de sintetizadores que não fazem mais o menor sentido. Mesmo assim para quem foi jovem naquela época o disco ainda funcionará com um belo retrato nostálgico dos 80´s, embora não consiga ser muito mais além disso.

Entre as faixas destacaria "Lucky Star" que tinha um clip bem básico, com Madonna e dois bailarinos com um fundo branco atrás. Nada mais do que isso, apenas dança e o vocal da cantora, sem "estorinhas" a serem contadas. Destaque para o figurino dela. Que cabelo era aquele?! Mas enfim... um típico produto de divulgação da Warner em uma fase pré surgimento da MTV. Como ela ainda não era uma estrela o orçamento desse primeiro clip foi bem econômico. Já o grande hit do disco, "Bordeline", ganhou um clip bem mais elaborado. Ela já havia conquistado a confiança da gravadora com algumas milhares de cópias vendidas. Como era praxe naquela década o enredo é bem bobinho. Madonna no clip interpreta uma garota em duas fases de sua vida, como modelo (onde as cenas aparecem em um preto e branco estilizado, com glamour e cenários bem elaborados) e como uma garota normal, de Los Angeles, que acaba levando o fora de seu crush, um latino de periferia. A letra não é sobre pessoas que sofrem de síndrome de personalidade bordeline, como alguns chegaram a dizer, mas apenas sobre os sentimentos de uma garota cansada de tantos joguinhos com o namorado, vivendo no limite. Nada de desvios psicológicos, é bom salientar. Então é basicamente isso. Um bom LP para a época, com uma Madonna ainda em formação. A grande estrela só iria surgir mesmo pra valer no disco seguinte, esse sim um fenômeno de vendas em todo o mundo.

Madonna - Madonna (1983)
Lucky Star 
Borderline 
Burning Up 
I Know It 
Holiday 
Think of Me 
Physical Attraction 
Everybody.

Pablo Aluísio.

sábado, 15 de julho de 2023

Pink Floyd - A Saucerful of Secrets

Pink Floyd - A Saucerful of Secrets
O fundador e criador do grupo Syd Barrett usou tantas drogas que embarcou numa viagem sem retorno. Com sua saída os demais membros do Pink Floyd ficaram meio perdidos, sem saber para onde iriam. Esse foi o segundo álbum do Floyd e o primeiro sem Barrett, imerso em sua própria loucura. Uma das boas decisões que o novo líder do Floyd Roger Waters tomou foi trazer o guitarrista David Gilmour para as gravações do disco. Além de músico extremamente talentoso, um dos maiores guitarristas da história do rock, ele também ajudou muito na composição e arranjo de novas músicas para o disco. Era sem dúvida o músico certo naquele momento mais do que complicado do Pink Floyd. Afinal eles corriam o risco até mesmo de serem demitidos pela direção da gravadora EMI. 

O mais curioso é que o grupo pensou seriamente em se tornar uma banda especializada em temas incidentais para trilhas sonoras de filmes. Pois é, com a saída de Barrett eles ficaram inseguros sobre o futuro, achavam que o Pink Floyd estava com os dias contados. Uma saída para sobrevivência seria tocar e compor músicas para filmes. O destino porém iria levar eles para outra direção, bem mais promissora e de sucesso. Em relação ao resultado final desse disco o considero bom. Não é uma obra-prima do grupo e tem seus deslizes, mas serviu para manter o Pink Floyd vivo, planejando um futuro. Eles ainda não tinham encontrado o caminho certo, mas já estavam indo em uma boa direção. 

Pink Floyd - A Saucerful of Secrets (1968)
Let There Be More Light
Remember a Day
Set the Controls for the Heart of the Sun
Corporal Clegg
A Saucerful of Secrets
See-Saw
Jugband Blues

Pablo Aluísio. 

quarta-feira, 12 de julho de 2023

The Doors - Strange Days

Gravado em oito canais no mês de agosto de 1967, no Sunset Sound Studios #1 (Hollywood, CA). Lançado oficialmente nos EUA no dia 25 de setembro de 1967. Produzido por Paul A. Rothchild. No mesmo ano em que haviam invadido os EUA com seu primeiro disco e com o single de grande sucesso Light My Fire, os Doors prepararam seu segundo trabalho, Strange Days. Dessa vez, contaram com equipamentos de alta tecnologia (para a época) e puderam realizar uma das primeiras gravações da história feitas a oito canais de áudio. Mesmo não tendo conseguido atingir o mesmo impacto que o disco The Doors causou na mídia, lançou canções de sucesso popular (People Are Strange e Love Me Two Times) e vários clássicos da banda (principalmente When the Music's Over), além de faixas pouco conhecidas, como You're Lost Little Girl e I Cant See Your Face In My Mind, que podem facilmente entrar na lista das melhores do grupo.

Apesar de manter o mesmo estilo que havia sido consagrado no disco de estreia, Strange Days tem menos influências de blues que seu antecessor, dando mais ênfase ao lado sombrio das composições, os "dias estranhos" do título e da capa. Mas, passando por cima de todos esses detalhes, "Strange Days" foi ganhando status ao longo do tempo e hoje é considerado pelos especialistas como o melhor disco da banda. O trabalho mais artístico dos Doors, sem dúvida. Começando pela capa, em estilo nitidamente europeu, pelo som que se tornou único dentro da história do conjunto e pelo conteúdo das letras, que ficaram mais elaboradas do que nunca. Jim considerava "Strange Days" o ponto alto da discografia do quarteto, tanto que sempre o utilizava como paradigma em relação aos outros discos. A ideia da capa circense, inclusive, foi sugestão do próprio cantor que não queria aparecer novamente ao lado de seus colegas de banda, como ocorreu no disco de estreia. Mas a ideia do circo europeu com malabaristas, artistas e cartomantes, foi na verdade a segunda ideia de Jim. A primeira? Morrison queria que os Doors fossem cercados por trinta cães. Quando perguntado de onde ele tinha tirado uma ideia tão surreal, Jim respondeu que tudo seria uma metáfora, pois cão (dog) é o inverso de Deus (God)! Vai entender...

Singles nas lojas:

People Are Strange / Unhappy Girl - Em Setembro de 1967 os Doors lançaram este primeiro single extraído de "Strange Days". O Lado A é o ponto forte com uma canção que entraria definitivamente na história do grupo. Na realidade "People Are Strange" já havia sido composta há muito tempo, antes mesmo até do grupo se formar. Só ficou fora do disco de estreia por pura falta de espaço. Melhor assim. Aqui ele ganhou o veículo perfeito para sair das trevas dos arquivos dos Doors. A canção do Lado B não acompanha o alto nível artístico do lado A. Mas também não faz feio. Cumpre tabela.

Love Me Two Times / Moonlight Drive - Dois meses depois do primeiro single chegar nas lojas, em novembro de 1967, os Doors invadem novamente as lojas com esse segundo single. A ordem das músicas deveria ter sido invertida, porque sem dúvida, "Moonlight Drive" é bem superior que "Love Me Two Times", essa apenas uma música feita para tocar nas rádios. De certa forma o tempo fez justiça, pois "Moonlight Drive" é uma das mais conhecidas músicas dos Doors e sua parceira de single caiu na vala comum do anonimato. Com um lado excepcional e o outro apenas regular, esse single leva uma nota sete por seu valor musical e passa por média.

Strange Days
E então chegamos em "Strange Days", um dos álbuns mais marcantes do grupo. Foi o segundo dos Doors no selo Elektra Records. Também foi um dos mais esperados, por causa da grande repercussão do primeiro disco. Jim Morrison deu esse título ao álbum porque em sua opinião aqueles dias em que os Doors começaram a fazer sucesso foram dias estranhos. Afinal em poucas semanas Jim passou de um perfeito estranho que perambulava pela Venice Beach a um superstar internacional. Eram dias loucos em sua opinião.

Foi também uma mudança de conceito da banda, a começar pela capa. Jim não havia gostado da capa do primeiro disco. Para ele era algo vulgar demais colocar apenas a foto dos membros do conjunto. Por isso ele mandou que se fizesse algo mais artístico, diria até circense. Para a sorte dos Doors um grupo de artistas de circo foram encontrados nos arredores de Los Angeles. São eles que estão na capa do disco, em poses de picadeiro. Também eram bem representativos desse mundo, com o homem de super força, o anão e a cartomante. Além é claro do malabarista. Tudo o que Jim queria!

"Strange Days" foi muito bem recebido pela crítica. Os Doors que não se enquadravam em estilo nenhum, davam mais um passo rumo a uma identidade musical bem própria. Além disso Jim ainda era jovem e seu apelo sexual junto às fãs mais jovens garantia shows lotados, concertos com ingressos esgotados e bons números de vendas de cópias de seus discos nas lojas. Tudo correndo muito bem para eles naquela fase de sua carreira. Os monstros interiores de Morrison ainda não tinham se revelado para o público.

Pablo Aluísio

sábado, 8 de julho de 2023

Rolling Stones - Rolling Stones (1964)

Muitos anos antes dos mega concertos e das mega turnês os Rolling Stones eram uma bandinha tentando conquistar seu lugar ao sol. Seu primeiro disco, intitulado apenas The Rolling Stones, demonstra bem como um grupo que se espalhava nos Beatles ainda demoraria para encontrar seu caminho musical. O disco deixa surpreendido qualquer ouvinte iniciante que só conheça a banda atual. As músicas são interessantes, porém simples, os arranjos beiram o amadorismo e as composições próprias praticamente não existem pois eles sequer se consideravam compositores na época. Assim somos surpreendidos por diversos covers que vão desde Rufus Thomas (Walking The Dog), Jimmy Red (Honest I Do) até Chuck Berry (numa versão nada memorável de Carol). A gravação deixa muito a desejar, o que nos leva a pensar que a gravadora Decca (a mesma que esnobou os Beatles no começo da carreira) não colocava muita fé nesses ingleses branquelos cantando músicas de blueseiros negros americanos.

A única composição da dupla Mick Jagger - Keith Richard é Tell Me, que passa anos luz da qualidade das músicas de Lennon - McCartney que na época estavam no auge da criatividade musical. Talvez por isso o grupo tenha até mesmo assinado inicialmente a canção por um pseudônimo. O disco, apesar de todos esses pontos contra, alcançou grande sucesso de vendas, chegando ao primeiro lugar britânico, o que fez até mesmo o LP ser lançado nos Estados Unidos, fato raro para uma banda estreante. Porém da mesma forma que acontecia com os primeiros discos dos Beatles os americanos acharam a seleção da edição britânica fraca e colocaram para abrir o LP Ianque outro cover de Buddy Holly, Not a Fade Away. Resumindo o disco em si deve ser descoberto pelos admiradores do rock britânico. Não é um excelente trabalho, de forma alguma, mas mostra como poucas obras como se começa uma longa caminhada com um simples passo. Esse foi o primeiro dos Rolling Stones.

The Rolling Stones (1964)

Lado A
1. Route 66
2. I Just Want to Make Love to You
3. Honest I Do
4. Mona (I Need You Baby)
5. Now I've Got a Witness (Like Uncle Phil and Uncle Gene)
6. Little by Little

Lado B
1. I'm a King Bee
2. Carol
3. Tell Me (You're Coming Back)
4. Can I Get a Witness
5. You Can Make It If You Try
6. Walking the Dog

Pablo Aluísio

quarta-feira, 5 de julho de 2023

The Beatles - Revolver

"Revolver" é um disco fenomenal. O primeiro trabalho realmente revolucionário do conjunto britânico, o LP abriu portas no mundo da música que nunca mais foram fechadas. Seu resultado foi tão extraordinário na época que nem os próprios Beatles acreditavam que um dia iriam conseguir superá-lo. De repente os quatro rapazes de Liverpool mostravam ao mundo que o Rock não era apenas um gênero musical bobo falando sobre namoricos, corações adolescentes partidos e versinhos de caderno. O rock poderia se transformar em grande arte e seguramente Revolver foi o primeiro grande trabalho da história do Rock a atravessar essa fronteira. Tirando poucos momentos medianos do ponto de vista artístico (como "Yellow Submarine" e "I Want To Tell You") "Revolver" traz uma série incrível de sonoridades diversificadas que se traduzem em canções antológicas. 

"Taxman", que abre o disco, é uma parceria entre Lennon e Harrison (só creditada ao segundo) que mostra claramente o rompimento do grupo com seu antigo som. Paul McCartney apresenta duas músicas maravilhosas, a melancólica e linda "Eleanor Rigby" e "For No One", que apesar de subestimada é até hoje uma das melodias mais bonitas da carreira dos Beatles (e isso meu amigo não é pouca coisa); O velho Macca ainda nos brinda com a deliciosa "Got to Get You Into My Life", canção cheia de charme e suingue bebendo diretamente da fonte da herança musical negra americana, estilo Motown e cia. Seu legado no disco termina com "Here, There and Everywhere". Canção excepcionalmente bem escrita e arranjada resultando num momento simplesmente irretocável.

Embora McCartney tenha sido genial nesse disco com suas ternas melodias o legado mais revolucionário do álbum pertence mesmo a John Lennon. Desde a primeira faixa Lenniana, "I´m Only Sleeping", com escala musical incomum, John deixa claro que veio para testar os limites do Rock na época. Sua "She Said, She Said" é uma pedrada no formato convencional (e careta) que predominava na música da década de 60. Dr. Robert, por sua vez, é um manifesto com referências ao movimento psicodélico que nascia naquele momento e "Good Day Sunshine", com sua linha saudosista, vinha para satirizar com muito bom humor o comodismo da classe média e seus valores quadrados. Mas foi com "Tomorrow Never Knows" que Lennon realmente chutou o balde. Essa canção pode ser considerada, sem a menor hesitação, como uma das mais influentes do rock mundial moderno. Não existe sequer uma única banda da atualidade que não beba de sua fonte maravilhosamente enlouquecida e sem freios. "Tomorrow Never Knows" até hoje soa extraordinariamente criativa, imaginativa e acima de tudo revolucionária. Não importa qual seja a sua banda favorita e nem a época, de Radiohead a Oasis, nenhum grupo conseguiu sequer chegar aos pés dessa doce alucinação. Não há como duvidar, Lennon realmente era um gênio musical. Revolver retrata o momento em que os Beatles romperam com tudo o que se fazia na época, inclusive com seu próprio modelo, que definitivamente a partir desse momento era deixado para trás. Apenas pela coragem de romper tabus musicais Revolver já teria garantido seu lugar na história da música do século XX, mas o álbum é muito mais do que isso, é uma obra simplesmente indispensável para se entender a arte de nosso tempo.

1. Taxman (Harrison) - Nesse disco George e John trabalharam juntos em algumas faixas. Essa parceria Lennon e Harrison se mostraria mais forte em "Taxman". Anos depois, após o fim dos Beatles, John Lennon iria reclamar publicamente de George Harrison que segundo ele nunca teria dado os créditos merecidos na gravação dessa música. John afirmava que George havia chegado nos estúdios Abbey Road apenas com um esboço muito primário do que seria Taxman. Assim ele e George passariam horas lapidando a música, com John Lennon fazendo grande parte dos arranjos. Curiosamente a dobradinha "Harrison / Lennon" também não apareceu na contracapa do álbum, sendo a canção creditada apenas a George Harrison. Na época John Lennon pareceu não ligar muito para isso, mas depois, já nos anos 70, reclamou da falta de consideração de seu colega de banda.

2. Eleanor Rigby (Lennon / McCartney) - Paul McCartney compôs "Eleanor Rigby" durante as filmagens de "Help!". Ele inclusive quase escolheu a música para fazer parte da trilha sonora do filme, mas pensou melhor e resolveu trabalhar ainda mais nela, antes de a levá-la para o estúdio. Assim que George Martin a ouviu pela primeira vez percebeu que ali havia uma faixa clássica que não se enquadraria com os instrumentos de um grupo de rock. Era algo completamente novo para um disco dos Beatles. Era necessário escrever um arranjo mais erudito, usando um quarteto de cordas, de preferência. Paul aceitou imediatamente as sugestões. Assim os instrumentos básicos dos Beatles foram deixados de lado. Um grupo de músicos foi contratado e Paul e Martin começaram a lapidar a canção em Abbey Road. Para se ter uma ideia, Ringo Starr nem sequer participou da gravação da música. John e George só colaboraram fazendo os vocais de apoio. Embora John tenha creditada a canção como uma de suas criações, o fato é que sua participação na criação da música foi praticamente nula. Paul esclareceria anos depois que John havia escrito apenas uma linha da letra e feito o backing vocal, nada muito além disso. Aliás nenhum dos Beatles tocou na faixa, sendo tudo providenciado mesmo pelo gênio George Martin. A letra, composta quase que exclusivamente por Paul falava sobre solidão. Essa é certamente uma das letras mais cinematográficas dos Beatles pois em essência narra o enterro de Eleanor Rigby, uma pessoa solitária, em cujo funeral ninguém compareceu a não ser o Padre McKenzie para fazer as orações finais. Durante anos Paul disse que a personagem Eleanor Rigby era ficcional, tanto que antes de escolher esse nome outros foram usados na composição como Miss Daisy Hawkins. A sonoridade desse nome porém não agradou Paul completamente, tanto que depois finalmente encontrou o que procurava em "Eleanor Rigby". A explicação soava até bem plausível, isso até historiadores dos Beatles encontrarem uma lápide real no cemitério de Liverpool com o nome de Eleanor Rigby, cuja data de falecimento constava como o de 1939. Eleanor Rigby assim era o nome real de uma pessoa real, que viveu e morreu em Liverpool bem no começo da II Guerra Mundial. Informado sobre a descoberta, Paul se disse completamente surpreso! Quem sabe seu nome ficou em seu subconsciente, pois Paul costumava frequentar o local quando era mais jovem. Mais um mistério na história desse verdadeiro clássico da carreira dos Beatles.

3. I'm Only Sleeping (Lennon / McCartney) - E a última grande criação de John Lennon para "Revolver" foi "I'm Only Sleeping". Durante anos se especulou que John novamente fazia referências ao uso de drogas na letra dessa canção. Ele porém rechaçou essa interpretação. John dizia que era a pessoa mais preguiçosa do mundo, que amava ficar em sua cama durante o dia inteiro, sem fazer nada. A letra era assim a mais direta possível, uma declaração de um preguiçoso sobre a arte de não fazer absolutamente nada, de ficar apenas dormindo o dia inteiro. Aliás o próprio John admitira esse aspecto de sua personalidade várias vezes ao longo da vida em entrevistas. Certa vez ele declarou: "Os Beatles só voltavam a se reunir em estúdio por insistência de Paul. Ele me ligava e dizia que tínhamos que gravar um novo disco, ao qual eu respondia que não queria, que estava com preguiça. Então Paul ficava ligando por uma ou duas semanas, insistindo, até eu finalmente sair da cama para trabalhar!"

4. Love You To  (Harrison) - Outra surpresa em termos de arranjo do "Revolver" veio com a gravação de  "Love You To". Que George Harrison estava completamente imerso na religião hindu, todos já sabiam. De todos os Beatles ele foi aquele que mais caiu de cabeça dentro da cultura oriental, quando o grupo foi até a Índia atrás dos ensinamentos de um guru indiano, o Maharishi Mahesh Yogi. O que ninguém esperava era que George iria trazer o som da Índia para dentro dos discos dos Beatles. No começo houve uma certa resistência de Paul em colocar a música dentro do álbum. Era estranha demais para os ouvidos dos ocidentais, dos fãs dos Beatles. Depois cansado das brigas com Harrison, finalmente cedeu. A música serve de certa maneira como uma forma de enriquecimento cultural maior dos trabalhos dos Beatles, mas Paul tinha razão em dizer que ela não deveria ter entrado no disco. Teria sido bem melhor que George Harrison a tivesse lançado em um single solo, até mesmo porque ele foi o único Beatle a participar da gravação. Todos os demais, por questões óbvias, ficaram de fora. Ninguém sabia tocar aqueles estranhos instrumentos musicais indianos.

5. Here, There and Everywhere (Lennon / McCartney) - Bom, o que não poderia faltar em um bom disco dos Beatles nos anos 60 era uma bela e romântica balada. Invariavelmente essas lindas canções de amor eram compostas por Paul McCartney. Aqui não houve exceção. "Here, There and Everywhere" fazia jus a esse legado. Uma das melodias mais bonitas compostas por Paul. Ele a criou em homenagem à sua namorada na época, a ruivinha Jane Asher. Todos os Beatles acreditavam que Paul um dia iria se casar com Jane. Eles estavam juntos há muito tempo e ela foi a fonte de inspiração de algumas das melhores músicas de amor de Paul. John vivia provocando Paul, querendo saber quando seria o dia do casamento pois ele estava cansado de ser o único Beatle casado! Curiosamente Jane e Paul romperiam alguns anos depois. "Uma surpresa e tanto, pensei que eles iriam se casar!" - resumiria depois John em uma entrevista. Pelo menos as ótimas canções românticas que embalaram esse romance sobreviveram ao tempo.

6. Yellow Submarine (Lennon / McCartney) - Até hoje ninguém sabe ao certo quem teve a ideia de compor uma música psicodélica chamada "Yellow Submarine". Pelo tema de fantasia poderíamos dizer que foi Paul, mas as contribuições de John Lennon também não foram poucas. O que se sabe com certeza é que todo álbum dos Beatles, desde o primeiro, tinha que trazer uma música mais simples para ser cantada pelo baterista Ringo Starr. O próprio John explicaria isso ao dizer: "Eu e Paul sempre fazíamos alguma música para Ringo cantar. Ele não era o melhor cantor do mundo, então as músicas dadas a ele eram as mais simples!". Bom, olhando para o resultado final podemos dizer que esse nem foi bem o caso da música. "Yellow Submarine" foi intensamente trabalhada por Paul, John e George Martin dentro dos estúdios. Tudo para criar aquela sonoridade única que ouvimos, algo parecido com um desenho animado segundo a opinião de Paul. O curioso é que de fato ela iria virar uma animação futuramente, mas na época em que foi gravada ninguém realmente pensava que isso iria acontecer. Era apenas mais uma faixa do "Revolver" que fugia completamente dos padrões do que os Beatles tinham gravado antes.

7. She Said She Said (Lennon / McCartney) - Para o álbum "Revolver" John Lennon parecia estar mesmo muito inspirado. Tanto que ele iria trazer outra "pauleira" para ser gravada. A música se chamava apenas "She Said She Said". Ao contrário de "Tomorrow Never Knows" essa já estava praticamente feita quando John a apresentou aos demais membros da banda. Ele havia gravado uma fita demo e tudo já estava ali, sem precisar trabalhar muito nela. Mais uma vez a presença do produtor George Martin se mostrou vital. Ele sugeriu a John que aumentasse a distorção das guitarras, já que ele queria um rock bem ao velho estilo. O resultado saiu melhor do que o esperado. A composição surgiu de uma conversa entre John e Peter Fonda. A inspiração obviamente veio do LSD, o ácido lisérgico, que ia se tornando cada vez mais popular. John e Paul não se deram muito bem durante as gravações. Eles discordaram muito sobre como a música deveria ser gravada. Paul queria mais melodia, enquanto John queria um som bem mais cru. Como não chegaram a um acordo satisfatório, Paul resolveu abandonar sua participação na música. John então pediu a George Harrison que tocasse o baixo. Isso demonstrava que o stress e as brigas entre John e Paul já vinha de algum tempo. Algo que iria destruir o grupo em alguns anos.

8. Good Day Sunshine (Lennon / McCartney) - "Good Day Sunshine" era outra boa composição de John Lennon. Aliás se formos analisar bem veremos que o último álbum de grande colaboração de John na seleção musical havia sido mesmo o "Revolver". Depois dele o próprio John admitia que havia entrado numa fase de pasmaceira criativa, onde ele geralmente chegava sem canções finalizadas dentro do estúdio, precisando da ajuda dos demais Beatles para completar aquelas ideias inacabadas, muitas vezes sendo apenas trechos e esboços de músicas, tudo sem arte final. A letra, composta ao piano, parecia em uma primeira audição bem bobinha. John porém queria criticar exatamente a chatice da vida das pessoas, todas embaladas por sonhos de consumo medíocres, como se fossem grande coisa.

9. And Your Bird Can Sing (Lennon / McCartney) - "And Your Bird Can Sing" também fugia do lugar comum. Aqui John Lennon quis dar uma espécie de resposta para a faixa anterior de Paul, também com um arranjo diferente. Porém ao contrário de Paul, John não quis deixar as guitarras debaixo da cama. Ao contrário disso as deixou em primeiro plano, em excelentes solos que iam se revezando ao longo de toda a faixa. Curiosamente o principal parceiro de John na elaboração dessa música dentro do estúdio não foi Paul McCartney, mas sim George Harrison. Afinal ambos eram os guitarristas da banda, então era natural que eles se sentassem para escrever juntos as linhas de melodia que iriam usar. Apesar disso, da intensa colaboração de Harrison, a música acabou sendo creditada, mais uma vez, como uma criação de Lennon e McCartney, apesar da participação de Paul ter sido mínima.

10. For No One (Lennon / McCartney) - Paul também foi o criador de outro momento sublime do álbum. A música se chamava "For No One". Assim como aconteceu com "Eleanor Rigby", Paul e o produtor e maestro George Martin sentaram para discutir como seria gravada essa linda balada. Usar os instrumentos básicos dos Beatles (guitarras, baixo e bateria) parecia soar banal demais para Paul McCartney. Ele queria algo mais erudito, mais clássico. Assim Paul dispensou as participações de John Lennon e George Harrison. Ao invés deles Paul trouxe para o estúdio o músico Alan Civil. Dos demais Beatles apenas Ringo compareceu fazendo uma percussão bem mais sutil. A letra foi mais uma vez inspirada no relacionamento de Paul com Jane Asher. Paul descrevia pequenos detalhes que revelavam como o namoro entre eles estava chegando ao fim. Uma grande composição de Paul McCartney, sem dúvida.

11. Doctor Robert (Lennon / McCartney) - É a tal coisa, se tivesse que escolher o melhor rock do álbum "Revolver" certamente apontaria para a canção "Doctor Robert". Essa canção, como diria John Lennon anos depois, tinha realmente um grande pulso, uma grande pegada! A letra foi composta por John durante a excursão americana dos Beatles. A letra era meio enigmática, porém a ligação com as drogas que os Beatles estavam consumindo na época era bastante óbvia! E afinal quem era o tal Doutor Robert citado na letra? John costumava dizer que era ele mesmo, assim apelidado pelos demais Beatles por estar sempre com todas as pílulas na mão! Se algum membro da banda quisesse tomar alguma droga, já sabia, deveria procurar por Doutor Robert, ou seja, Lennon, que guardava as drogas com ele. Ele costumava andar com uma pequena maletinha onde guardava as substância químicas ilegais. Outros porém dizem que Lennon quis preservar a identidade do verdadeiro Dr. Robert, que seria na verdade o médico Robert Freymann, que vendia prescrições médicas falsas para os figurões do mundo da música em Londres. Era uma espécie de traficante travestido de médico!

12. I Want to Tell You (Harrison) - Por falar em George Harrison ele também trouxe suas próprias composições para o disco. Uma delas foi "I Want to Tell You". Nessa todos os Beatles estavam presentes. No começo Paul não gostou muito da melodia e disse a George que era necessário trabalhar mais na música antes de gravá-la. Era precisa escrever mais algumas linhas de melodia, acrescentar mais notas musicais, mas Harrison recusou a ajuda de Paul. No final a música foi gravada do jeito que George queria, embora ao ouvi-la se chegue na conclusão de que Paul McCartney realmente tinha razão. A música parece não ir para lugar nenhum, exagerando no uso e abuso do refrão, algo que no final das contas se torna até mesmo cansativo.

13. Got to Get You into My Life (Lennon / McCartney) - O álbum "Revolver" foi de fato o primeiro a romper completamente com aquela sonoridade dos primeiros discos dos Beatles. Não havia mais necessidade de seguir uma determinada fórmula comercial à risca. Ao contrário disso eles queriam mesmo arriscar, sondar novos territórios musicais. Em "Got to Get You into My Life" Paul quis recriar o som da gravadora negra Motown, Por isso pediu a George Martin que ele providenciasse um arranjo com muitos metais. Praticamente foi dispensada a formação clássica de instrumentos dos Beatles. Guitarras e baixo foram colocados em segundo plano. O destaque ficou concentrado mesmo apenas naquele tipo de som que ficaria muito adequado em um lançamento da gravadora de Detroit.

14. Tomorrow Never Knows (Lennon / McCartney) - A obra prima de John Lennon em "Revolver" foi justamente essa estranha (para a época)  "Tomorrow Never Knows". Para muitos especialistas em rock essa canção foi o verdadeiro marco zero no que viria a ser depois chamado de Rock Psicodélico. Quando John entrou em Abbey Road pela primeira vez com o esboço da letra dessa música ele não tinha exatamente ideia do que ela iria se transformar. Ao lado do maestro e produtor George Martin ele passou dias, horas e mais horas de estúdio, tentando reproduzir o tipo de sonoridade que ele procurava. John queria que George Martin recriasse o som que ele definia como a de uma fita de gravação sendo rebobinada. Algo inédito na época. Depois de muitas tentativas e erros finalmente a gravação foi finalizada, se tornando a primeira grande experimentação musical dos Beatles em sua discografia. Não havia mais limites a respeitar em termos de criatividade dentro dos estúdios.

The Beatles - Revolver (1966) - John Lennon (vocais, guitarra, violão e piano) / Paul McCartney (baixo, violão, piano e bateria) / George Harrison (vocais, violão, guitarra) / George Harrison (vocais, guitarra, violão) / Ringo Starr (vocais, bateria) / Jurgen Hess (violino) / Tony Gilbert (violino) / Sidney Sax (violino) / John Sharpe (violino) / Stephen Shingles (viola) / John Underwood  (viola) / Derrick Simpson (Cello) / Norman Jones (Cello) / George Martin (Órgão, piano, backing vocals) / Geoff Emerick (backing vocals) / Mal Evans (backing vocals, bumbo) / Neil Aspinall (backing vocals) / Brian Jones (backing vocals, efeitos sonoros) / Marianne Faithful (backing vocals) / Alan Civil (Trompa) / Peter Coe (Sax Tenor) / Eddie "Tan Tan" Thornton (trompete) / Alan Branscombe (Sax Tenor) / Les Conlon (Trompete) / Ian Hammer (Trompete) / Data de gravação: 6 de Abril a 21 de junho de 1966 / Local de gravação: Abbey Road Studios, Londres / Data de Lançamento: 5 de agosto de 1966 / Produção: George Martin.  

Pablo Aluísio.

sábado, 1 de julho de 2023

The Doors (1967)

The Doors (1967) - Gravado em quatro canais no mês de agosto de 1966, no Sunset Sound Studios #1 (em Hollywood, CA), lançado oficialmente nos EUA no dia 4 de janeiro de 1967 e produzido por Paul A. Rothchil. Com o estouro de Light My Fire em todo os EUA, o produtor Paul Rothchild, um dos mais conceituados profissionais da Elektra Records, costumava dizer que criou um sucesso em apenas uma semana. E foi isso mesmo. Assim que assinaram com a gravadora, no final de 66, os Doors logo entraram em estúdio e em meros seis dias (com um fim de semana de intervalo) gravaram seu disco de estreia. As músicas escolhidas já faziam parte do repertório que a banda vinha tocando em bares na Califórnia durante um ano inteiro, alternando-se entre composições de autoria própria (apesar de serem todas compostas por Morrison e Krieger, a banda inteira levava o crédito no encarte) e covers (Alabama Song, de Kurt Weill e Bertold Brecht, e Back Door Man, de Willie Dixon).

A sonoridade pode ser descrita como um blues urbano e sombrio, misturando influências da música negra e de elementos totalmente novos no mundo da música pop. Sucesso de público (transformou-se logo em disco de ouro) e muito elogiado pela crítica, o álbum se tornou um dos maiores clássicos da história do rock e colocou Jim Morrison e os Doors entre os maiores ícones pop do século. Este é o primeiro disco da carreira dos Doors. O normal é que todo disco de estreia de qualquer grupo seja pouco ousado, em que os músicos ainda estejam procurando seu próprio caminho, em suma o normal é que o disco de lançamento de qualquer grupo iniciante seja produto de uma fase de experimentação, de inexperiência. Esqueça isso em relação aos Doors. Que banda de Rock coloca uma música como "The End" logo de cara em seu debut musical? Até os Beatles levaram um tempo para deixar a fase "menudos dos anos 60". Sö evoluíram depois, quando deixaram as "musiquinhas idiotas de amor" (como o próprio Lennon se referia, quando falava da primeira fase do conjunto).

Com os Doors isso não aconteceu, eles já começaram detonando meio mundo, colocando por terra qualquer conformismo ou lugar comum melódico. O disco é uma tijolada no cenário rock da época. Um crítico disse que "Gosto dos demais grupos porque entendo o que eles dizem, com os Doors isso não acontece, quem pode entender o que Jim está querendo transmitir?" Pois é, sem dúvida Jim e banda era por demais avançado para a época, e o mais importante eles colocaram as cabecinhas ocas das adolescentes que gritavam pelos Beatles para funcionar! O negócio de Jim era esse: "Pense". Eles surgiram no momento em que os Estados Unidos e o mundo já haviam perdido a inocência. A guerra do Vietnã estava no ar e os Doors eram ouvidos no sudeste asiático pelas tropas americanas aquarteladas no fim do mundo. "Os Doors foram a trilha sonora do Vietnã" disse depois o diretor Oliver Stone. Talvez por isso a guerra tenha ido pelo ralo.

Os Doors fazem pensar, o que definitivamente está fora de cogitação para os militares, que querem que seus soldados sejam simples máquinas idiotas de matar. Então o grupo veio e rompeu com tudo, inclusive com a pasmaceira reinante. Em suma, os Doors foram definitivamente (desculpe a referência por demais óbvia) aqueles que arrombaram as portas da caretice e do marasmo musical do final dos anos 60, que trouxeram novos valores ao asséptico mundo WASP dos EUA. Os Doors cresceram rápido, até porque eles não teriam tempo! Em apenas cinco anos o grupo jogou para o alto qualquer mesmice musical. Fico imaginando em que grupo eles teriam se transformado se tivessem pelo menos mais 10 anos de carreira pela frente. Teriam tirado os Beatles do trono de "banda mais importante da história do rock" ou teriam se tornados "vovôs ridículos posando de adolescentes imaturos" como os Rolling Stones? Esqueça. Filosofia é para Jim Morrison. Não cometerei nenhuma heresia em um site feito para homenagear "A mais inteligente banda de rock da história", o que já é um respeitável título.

 
Singles nas Lojas:

Break On Through (To The Other Side) / End Of The Night: Misture filosofia francesa, pitadas de existencialismo, culto à morte, alucinações psicodélicas e o que você tem? Ora, o primeiro single dos Doors, um dos mais revolucionários e transgressores da história do rock americano. Você só tem a noção exata da singularidade deste single se ouvir outras bandas e artistas americanos da época. Tente comparar essa música com The Mamas and The Papas, por exemplo. São dois mundos completamente diferentes, Jim e os caras da banda parecem ter chegado de Marte! A distância da essência dos Doors e de outros grupos é abissal. Não dá para comparar. Por isso houve tanto rebuliço nos States. Jim literalmente rompeu com o cenário musical da época e fez algo totalmente novo. Por isso tentar classificar e enquadrar o grupo em alguma tendência é bobagem, simplesmente são únicos, sem ninguém parecido por perto. Jim foi nessas canções o que John Lennon gostaria de ter sido, se tivesse uma formação educacional mais sólida, porque ninguém mistura tantas coisas diferentes e relevantes em um só caldo e se sai bem. Tem que ter embasamento intelectual e isso o rei lagarto tinha de sobra. As músicas? Nem vou comentar, tire suas próprias conclusões. Esse aliás sempre foi o recado por trás das músicas dos Doors: "Pense por si mesmo".

Light My Fire / The Crystal Ship: Um dos grandes sucessos da carreira dos Doors, senão o maior. Primeiro houve muita surpresa por parte das rádios americanas pela duração da música. Nos anos 60 uma canção tinha que ter no máximo três minutos e aí chega os Doors e chutam o balde, lançando uma que durava a eternidade (mais de 7 minutos!). Como tocar um troço desses? Mas não teve jeito, eles tiveram que se curvar e colocar a versão completa nos dials. O produtor do grupo ainda fez uma versão menor (abominada por Jim) para que as estações mais comerciais (e mais idiotas) pudessem tocar o sucesso dos Doors. Depois o sacrilégio: Atrás de uma grana fácil os três (fora Jim) venderam os direitos de "Light My Fire" para tocar como jingle no lançamento de um novo carro, o Buick. Jim, é claro, ficou puto da vida e detonou uma TV nos estúdios quando soube! (Essa cena está presente no filme de Oliver Stone). O conjunto estava se tornando justamente aquilo que Jim mais odiava: mero produto descartável da indústria automobilística. Que droga! Bad Trip!

Pablo Aluísio