quarta-feira, 26 de junho de 2024

The Beach Boys - All Summer Long

A grande resposta comercial da indústria fonográfica americana contra a chamada invasão britânica não foi Elvis Presley como muitos pensam. Foi o grupo The Beach Boys. Por isso sempre considerei muito subestimado o papel que esse grupo ocupa nos dias de hoje quando se olha para trás na história da música popular mundial. Eles quase sempre são encarados como surfistas despreocupados que faziam um som de praia, para a moçada da época se divertir nas areias em noites de luar. Uma visão simplista.

Esse álbum foi lançado no auge da Beatlemania, quando o grupo inglês conseguia ocupar praticamente todos os primeiros lugares da parada. Era um fenômeno sem precedentes dentro da indústria. Para combater os cabeludos de terninho a gravadora Capital (ironicamente a mesma que lançava os discos dos Beatles nos Estados Unidos) investiu pesado na panelinha da casa. E onde estava Elvis, o Rei do Rock nesse mesmo período? Ora, estava afundando em Hollywood, estrelando coisas como "Kissin Cousins", filmes ruins que não conseguiam mais chamar a atenção dos jovens. Por isso grupos mais antenados com eles, como o próprio Beach Boys, ocupavam cada vez mais espaço, crescendo no vácuo real deixado por Presley.

O disco é inegavelmente divertido, agradável e com ótima sonoridade. A capa é uma das mais simpáticas da história de rock, como se fosse um recorte de memórias das férias de verão. Assim que se coloca para rodar o ouvinte se depara logo com um dos maiores sucessos do grupo, o clássico "I Get Around", uma faixa que fez muito bonito nas paradas de 64. É sem dúvida uma vocalização perfeita, com uma melodia que lembra um carrossel sonoro. Impecável. Depois dela não temos nada tão talentoso e inspirador. A música que dá nome ao álbum até que é bonitinha, mas nada demais. Sempre implico com seu arranjo que mais parece de canções infantis. Coisas dos garotos da praia. Se você ainda não sabe direito o que é uma beach music sugiro que ouça com atenção a terceira música do disco, "Hushabye". É uma bobagem sentimental que quase sem letra ainda consegue criar um clima de nostalgia no ouvinte. Realmente impressiona pelo clima, nos levando mentalmente a ver um casal de namorados adolescentes passeando pela praia à noite, trocando juras de amor!

"Little Honda" que vem depois foi muito promovida nas rádios, apresentando duas ousadias em se tratando de Beach Boys: tinha um ritmo realmente cortante, de puro rock dos anos 50 e uma duração que era uma verdadeira eternidade para os padrões do grupo: quase sete minutos de duração! Não era assim um Pink Floyd, mas impressionava os brotos dos anos 60. O resto do disco infelizmente é apenas uma repetição de fórmulas, com nenhum momento marcante. Apenas "Drive-In" conseguiu me chamar a atenção, com um bom arranjo e uma letra pra lá de divertida. Enfim é isso. Tudo tão descontraído e descompromissado como um grupo como esse poderia soar naqueles tempos, apesar da grande responsabilidade de ter que encarar o maior conjunto de rock da história nas paradas de sucesso.

The Beach Boys - All Summer Long (1964)
1) I Get Around
2) All Summer Long
3) Hushabye
4) Little Honda
5) We'll Run Away
6) Carl's Big Chance
7) Wendy
8) Do You Remember?
9) Girls On The Beach
10) Drive-In
11) Our Favorite Recording Sessions
12) Don't Back Down

Pablo Aluísio.

terça-feira, 25 de junho de 2024

Rolling Stones - Gimme Shelter

Documentário musical que deveria celebrar mais uma turnê americana dos Rolling Stones, mas que acabou terminando em tragédia. Acontece que durante um dos concertos do grupo o vocalista Mick Jagger teve a péssima ideia de dispensar o uso de seguranças profissionais, contratando ao invés disso membros dos Hells Angels para fazer esse serviço. Talvez querendo dar uma de deslocado ou de hippie paz e amor, Jagger cometeu o maior erro de sua carreira. Não demorou nada para que os motoqueiros começassem a sair na porrada com o público. Pior do que isso, um rapaz foi morto durante a confusão. 

Isso obviamente mancharia para sempre os Stones, até porque a imprensa não deixou barato, culpando os membros do grupo pela morte do jovem. E de certa maneira eles eram mesmo culpados. Esse documentário ficou bastante tempo arquivado, justamente pela imagem do assassinato, mas depois acabou sendo lançado. Um registro triste da história do rock. Fica pelo menos como lição. Afinal organizar concertos de rock exige um profissionalismo completo. Não adianta ter ideias estúpidas achando que elas são revolucionárias ou inovadoras. Não são, são apenas estúpidas mesmo. 

Rolling Stones - Gimme Shelter (Gimme Shelter, Estados Unidos, 1970) Direção: Albert Maysles, David Maysles / Roteiro: Albert Maysles, David Maysles / Elenco: Mick Jagger, Keith Richards, Mick Taylor, demais membros dos Stones e a gangue de motoqueiros Hells Angels / Sinopse: Documentário sobre a maior tragédia da banda Rolling Stones, quando Mick Jagger resolveu contratar como seguranças os membros da gangue de motoqueiros Hells Angels. No meio da confusão que cerca o concerto um jovem rapaz acabou sendo morto pelos membros do motoclube.

Pablo Aluísio.

sexta-feira, 21 de junho de 2024

The Doors - Absolutely Live

Esse foi o único álbum ao vivo lançado pelos Doors em sua carreira. Obviamente que depois do fim do conjunto outros títulos foram lançados mas “Absolutey Live” segue sendo o único lançado pelos próprios Doors. Isso é de se admirar pois uma das maiores forças do grupo vinha justamente de seus concertos. Jim Morrison não se contentava em apenas subir no palco, cantar algumas músicas e ir embora. Quem acompanhou a história dos Doors sabe que um show deles era uma verdadeira roleta russa musical e social. Morrison poderia fazer um show preguiçoso ou então incendiar com tudo ao redor. Em certos aspectos não havia meio termo, basta lembrar que ele foi o primeiro rockstar a ser preso duas vezes em pleno palco, bem no meio de suas apresentações. Por causa de suas performances lisérgicas, Jim Morrison foi chamado de tudo, louco, maníaco, Rasputin! Infelizmente a grande maioria dos shows que o Doors fez no auge de seu sucesso não foi gravada. Nem mesmo os mais polêmicos como o de Miami onde ele foi preso por causar um tumulto épico.

Esse “Absolutely Live” foi gravado na turnê dos Doors em 1970. Por essa época Jim Morrison estava em uma verdadeira maratona jurídica, sendo processado por todos os lados, justamente pelas coisas que fazia ao vivo. Por essa razão são shows em que ele está bem mais contido, tentando provar que poderia fazer uma apresentação sem causar tantos problemas. Com uma barba messiânica, com muitos quilos acima do peso, olhar vidrado, fruto obviamente de seus excessos, Jim em pouco lembrava o jovem alucinado e sem freios dos anos anteriores. Isso porém não significa que o álbum seja ruim, longe disso, mas também não retrata o incendiário Jim Morrison que causou tanta polêmica nos anos 60. Os problemas com álcool e drogas obviamente continuavam mas Jim era pressionado a não dar vexames do tipo baixar as calças para o público como fez nos anos anteriores. Em algumas faixas Morrison mostra estar aparentemente embriagado e em outros lhe falta fôlego. Mesmo assim, por sua importância histórica, não deixa de ser um disco essencial na discografia de todo e bom roqueiro. Uma chance única de conhecer os Doors em seus shows ao vivo.

The Doors – Absolutely Live (1970)
House Announcer
Who Do You Love?
Alabama Song (Whisky Bar)
Back Door Man
Love Hides
Five to One
Build Me a Woman
When the Music's Over
Close to You
Universal Mind
Petition the Lord with Prayer
Dead Cats, Dead Rats
Break On Through (to the Other Side)
Celebration of the Lizard
Lions in the Street
Wake Up
A Little Game
The Hill Dwellers
Not To Touch The Earth
Names of the Kingdom
The Palace of Exile
Soul Kitchen

Pablo Aluísio.

terça-feira, 18 de junho de 2024

The Beatles – Yellow Submarine

Os Beatles  tinham de realizar mais um filme por obrigação contratual. Depois de “A Hard Day´s Night” e “Help” era pouco provável que naquela altura de suas carreiras eles voltassem para fazer mais uma produção daquelas. O próprio John Lennon já havia dito publicamente que os Beatles não eram atores e nem tinham o menor interesse nisso (bem ao contrário de Elvis Presley que tentou emplacar uma carreira no cinema americano por anos). Assim embora estivessem obrigados por contrato a fazer mais um filme não tinham a menor intenção de atuar novamente.

Para resolver o impasse surgiu uma ideia original e salvadora: se não havia obrigação de ser um filme convencional por que não realizar uma animação, um desenho animado? Assim os Beatles cumpriam seu contrato e não precisavam dar duro dentro do novo projeto. Assim que a ideia surgiu, John, Paul, George e Ringo a abraçaram instantaneamente. Um desenho animado com os Beatles para o cinema parecia ser uma grande sacada! Um estúdio de animação foi contratado e os trabalhos começaram. Em relação a trilha sonora ficou decidido que seriam aproveitadas canções já gravadas pelos Beatles, incluindo a música título, “Yellow Submarine” do álbum Revolver. A EMI porém não ficou muito contente com a solução. Uma trilha sonora seria obviamente lançada mas sem material novo suas chances de vender bem caíam consideravelmente.

Para contornar mais uma vez o impasse os Beatles concordaram em gravar algumas canções inéditas – não a ponto de completar um disco inteiro mas como forma de atrair os fãs dos Beatles nas lojas, comprando o álbum. Paul então compôs uma música infantil muito bonitinha e carismática chamada “All Together Now”, que imitava o estilo de aprender cantando das canções dos canais educativos ingleses. John, imerso em uma rotina pesada de uso de drogas, se virou como foi possível e trouxe "Hey Bulldog" para a gravação. Tudo foi meio mal gravado, com muita zoação dentro do estúdio mas George Martin decidiu lançar assim mesmo. Para completar Harrison trouxe a estranha "It´s All Too Much" que longa demais logo se tornava maçante.

O Lado B do vinil original seria completado com as canções incidentais compostas por George Martin. Paul e John ainda ajudaram na faixa instrumental "Yellow Submarine in Pepperland" e por essa razão foram creditados. Quando o filme foi lançado a crítica de forma em geral elogiou bastante. Já a trilha recebeu sua dose de resenhas desfavoráveis. O grupo chegou ao ponto de ser chamado de “preguiçoso” por não ter se esforçado mais na gravação de material inédito para o disco. Embora a parte de George Martin tenha sido elogiada os Beatles foram criticados por não terem composto mais canções para a animação. No final os Beatles ficaram tão satisfeitos com o desenho que resolveram gravar uma pequena participação para ser usada na cena final do filme. Hoje "Yellow Submarine" é considerado uma pequena obra prima do cinema, isso apesar de todos os problemas enfrentados em sua produção. Um final feliz para um projeto que nasceu da conveniência mas que se superou por suas próprias qualidades cinematográficas.

The Beatles - Yellow Submarine (1968)
Yellow Submarine
Only a Northern Song
All Together Now
Hey Bulldog
It's All Too Much
All You Need Is Love
Pepperland
Sea of Time
Sea of Holes
Sea of Monsters
March of the Meanies
Pepperland Laid Waste
Yellow Submarine in Pepperland

Pablo Aluísio.

sexta-feira, 14 de junho de 2024

Chuck Berry - Chuck Berry Blues

Há um certo consenso sobre a carreira de Chuck Berry sobre o fato dele ser muito mais do que apenas um roqueiro celebrado pelos anos pioneiros do surgimento do Rock americano, lá nos distantes anos 50. Na verdade Chuck deve ser celebrado também como um talentoso intérprete de blues. Até porque não há como separar o rock original de todos aqueles gêneros que lhe deram origem com especial destaque para o próprio blues, o gospel e até mesmo o jazz. Cada um desses estilos deram sua contribuição para o surgimento daquele novo idioma musical que ficaria conhecido popularmente como Rock ´n´ Roll.

Uma boa oportunidade para conhecer o blueseiro Berry vem justamente desse álbum chamado muito apropriadamente de "Chuck Berry Blues". A edição em CD vem com 16 faixas, quatro a mais do que o LP original. No repertório vemos o cantor tentando resgatar suas origens. Berry não se sai mal em nenhuma das gravações, mas temos que reconhecer que ele não também não consegue ser tão brilhante como em seu lado rocker, já que como roqueiro ele foi um dos mais importantes da história. Como blueseiro, devo dizer, ele é apenas um músico esforçado, embora como eu escrevi, talentoso. Berry chega a até mesmo, em momentos ocasionais, a brilhar como em "I Just Want To Make Love To You", "The Things I Used To Do" e principalmente "St. Louis Blues". Mesmo assim há momentos que deixam a desejar como na preguiçosa "Still Got The Blues", onde Berry parece se contentar em ficar no piloto automático, apelando para clichês. Dentro do blues o grande mentor de Berry, como ele sempre admitiu, sempre foi Willie Dixon. Na prática porém Berry chega mais próximo do estilo de Muddy Waters, o que convenhamos também não é nada mal.

Chuck Berry - Chuck Berry Blues
House Of Blue Lights 
Wee Wee Hours 
Deep Feeling 
I Just Want To Make Love To You 
How You've Changed 
Down The Road Apiece 
Worried Life Blues 
Confessin' The Blues 
Still Got The Blues
Driftin' Blues 
Run Around 
Route 66 
Sweet Sixteen 
All Aboard 
The Things I Used To Do 
St. Louis Blues.

Pablo Aluísio.

quinta-feira, 13 de junho de 2024

Little Richard - The Wild and Frantic Little Richard

Esse foi o único vinil que tive em minha coleção do grande Little Richard. Eu o comprei ao vê-lo na sessão de promoções em uma loja de discos (nos tempos em que ainda existiam lojas de discos!). Claro que após alguns anos comprei CDs do Richard, mas em vinil, LP, esse foi realmente o único que tive do artista. E, ao que me lembre, era uma edição nacional, o que realmente é algo surpreendente. Pensar que um álbum de 1967, do Little Richard, que nunca foi popular no Brasil, ter um disco lançado em selo nacional, realmente é algo fora dos padrões.

A sonoridade não era muito boa. Esse disco na realidade foi um trabalho de fim de festa para Little Richard. Seu contrato com  Modern Records havia chegado ao final e eles não queriam mais renovar com ele. Assim Littler Richard acabou gravando poucas músicas. A gravadora acabou completando com a inclusão de faixas diversas que tinha em arquivo, algumas delas gravadas ao vivo. Por isso não espere por nada muito caprichado ou bem gravado. A tônica é outra. O que vale é a importância histórica, desse grande nome da história do rock americano. Qualquer tentativa de desvalorizar esse disco, por mais simples que ele tenha sido, será, por isso, em vão.

Little Richard - The Wild and Frantic Little Richard (1967)
Baby What You Want Me to Do (live)
Do the Jerk
Directly From My Heart
I'm Back
Holy Mackerel
Good Golly, Miss Molly (live)
Send Me Some Lovin  (live)
Groovy Little Suzy
Baby Don't You Want a Man Like Me
Miss Ann (live)

Pablo Aluísio.

terça-feira, 11 de junho de 2024

Dean Martin - The Silencers

Dean Martin Sings Songs from "The Silencers"
Trilha sonora do filme "O Agente Secreto Matt Helm". Pois é, assim como Elvis Presley, o Dean Martin achou por bem encher alguns de seus filmes com um vasto repertório, para depois lançar como LP (o velho álbum de vinil) no mercado. O resultado? Uma porção de músicas bem fracas no meu ponto de vista. Veja, esse é um caso clássico de grande cantor em material de segunda linha. Nenhuma das músicas do filme (pessimamente apresentadas entre as cenas) soa marcante ou memorável.

Algumas são meros trechos engraçadinhos como "Empty Saddles in the Old Corral" em que Dean Martin aproveitava para dar uns amassos numa garota vestida de cowgirl no filme. Ok, sua maravilhosa voz estava lá, só que faltava letra nas músicas, além de serem completamente descartáveis. Grande parte desse repertório fraco foi composto por Billy Hill que recebia do estúdio de cinema a cena que deveria ser musicada. Assim ele ia fazendo as músicas, sem muito capricho. Apenas a música tema, "The Silencers" (composta pelo maestro Elmer Bernstein), merece maior atenção. Mesmo assim ele quase não escapa do resultado bem medíocre do resto do disco. É meio decepcionante bem no meio de uma até boa canção você ouvir o Dean Martin cantando sobre o "Big O", o vilão caricato do filme. Quando isso acontece vem aquela sensação de tempo perdido que destrói qualquer disco que você comprou. Enfim, esse disco foi mesmo uma "bola fora" do grande Dean Martin em sua rica discografia.

Dean Martin Sings Songs from "The Silencers" (1966)
The Glory of Love 
Empty Saddles in the Old Corral 
Lovey Kravezit 
The Last Round-Up 
Anniversary Song 
Side by Side 
South of the Border 
Red Sails in the Sunset 
Lord, You Made the Night Too Long 
If You Knew Susie (Like I Know Susie) 
On the Sunny Side of the Street 
The Silencers

Pablo Aluísio.

segunda-feira, 10 de junho de 2024

Frank Sinatra - The Voice - Parte I

Em 1965 Frank Sinatra completou 50 anos de idade. Não foi um tempo muito feliz para ele. Seu último disco havia conseguido chegar no máximo na décima posição entre os mais vendidos. Para Sinatra essa era uma posição indigna de seu talento. A questão é que havia novos concorrentes de peso nas paradas. Eles eram ingleses, conhecidos como Beatles. Frank Sinatra já havia enfrentado um cantor de rock extremamente popular no passado, um tal de Elvis Presley, mas agora os Beatles vinham com fúria total nas paradas. Cinco de seus discos ocupavam as cinco primeiras posições na Billboard. Era algo inédito e incrível!

Frank não gostava dos Beatles. Quando um amigo lhe trouxe o novo álbum do grupo chamado "Help!", Sinatra detestou. Ele odiou a primeira música cantada por John Lennon que na sua opinião não sabia cantar, mas sim gritar. Sinatra não conseguia encontrar nada de agradável naqueles ingleses. Ele implicava com seus cabelos longos, dizendo que aquilo era uma afronta contra a tradição de artistas elegantes da música americana. Sinatra também acreditava que o conjunto não tinha harmonia, que era pura moda passageira. Temos que entender que era especialmente complicado para ele, afinal como iria concorrer com quatro jovens de vinte e poucos anos, enquanto ele já estava chegando nos 50? Frank Sinatra sentia-se velho e fora de moda. Não que ele precisasse ainda vender discos naquela altura de sua vida pois estava milionário, dono de diversas empresas que o deixaram muito rico. Era mais uma questão de orgulho pessoal.

Frank Sinatra porém não era apenas ranzinza com colegas de profissão, ele também poderia ser muito generoso com outros artistas quando era preciso. Quando ele soube que a grande diva do jazz Billie Holiday estava levando uma vida miserável em um quarto imundo de um hospício de Nova Iorque providenciou para que seus homens fossem até lá, a tirassem do lugar e a levassem para uma dos melhores centros de repouso para idosos, com tudo pago por ele. Segundo um amigo próximo "Sinatra era um homem muito italiano, muito emocional". E não foi apenas Holiday que contou com a generosidade do "The Voice" (a voz), ao longo dos anos. Ele ajudou muitos cantores e atores fracassados, que tinham caído na pobreza, após suas carreiras acabarem. Certa vez Sinatra soube que um velho ídolo da música italiana do passado trabalhava como porteiro em um bar de Nova Iorque. Mandou dar a ele algo em torno de dez mil dólares para ajudar. Esse tipo de ato ia ficando cada vez mais comum em seus últimos anos.

Sinatra também teve sorte como homem de negócios. Ele fundou seu próprio selo musical chamado Reprise e ficou muito rico com ele. O nome Reprise vinha do próprio Sinatra. Ele queria que os fãs sempre ouvissem seus discos, uma vez atrás da outra, como reprises eternas. A Warner se interessou pelo selo e ofereceu uma fortuna para Sinatra. Ele então propôs parceria e acabou mais rico do que nunca! Os mais próximos porém perceberam que Sinatra foi ficando cada vez mais sozinho. Estava milionário, mas também solitário. De vez em quando Sinatra saía de sua reclusão para defender boas causas, como quando fez uma série de shows para crianças doentes com câncer. Sobre isso ele diria nos bastidores: "Se sou tão afortunado nessa vida preciso ajudar as pessoas desafortunadas! É uma obrigação pessoal".

Pablo Aluísio.

terça-feira, 4 de junho de 2024

Frank Sinatra - Come Fly With Me

Quando Sinatra assinou com a Capitol Records em 1953 ele tinha algumas ideias em mente. Entre elas o objetivo de levantar seu nome dentro da indústria fonográfica. O cantor sabia que precisava restabelecer sua força comercial no meio para consolidar de vez sua fase de "renascimento" como artista. Nesse meio tempo não perdeu tempo e começou a trabalhar com grandes arranjadores e maestros como Nelson Riddle (o melhor parceiro musical de Sinatra em toda sua carreira) e Gordon Jenkins. Os discos de Sinatra na Capitol eram pensados e programados para serem grandes sucessos comerciais, levar o cantor de volta ao topo das paradas. O Rock´n´Roll batia às portas e para sobreviver no meio Frank tinha que constantemente se reinventar. Por essa razão todos os álbuns de Sinatra na Capitol Records tinham sempre uma idéia básica amarrando as faixas entre si. Eram em essência discos conceituais, bem antes dessa expressão ter sido popularizada em discos como "Sgt Peppers" dos Beatles.

Esse "Come Fly With Me" se encaixa nesse conceito. A ideia partiu do próprio Sinatra que pensou reunir em apenas um álbum várias canções que lembrassem diversas partes do mundo. "Come Fly With Me" (em português "Venha Voar Comigo") era claro nesse sentido - o disco seria um passeio ao redor do mundo através de suas músicas. Para a produção a Capitol indicou o produtor e maestro Billy May. Seria a primeira vez que trabalharia com Frank Sinatra. De início foi meio complicado para ele se acostumar com o modus operandi de Sinatra dentro dos estúdios pois o cantor era perfeccionista e rabugento na mesma proporção durante as sessões de gravação. De fato, Frank era do tipo que não aceitava ordens de absolutamente ninguém e isso geralmente criava atritos entre ele e os produtores que trabalhavam ao seu lado. Ele tanto poderia implicar com uma gravação tecnicamente perfeita como também podia selecionar um take não tão perfeito como o definitivo para entrar no disco. No fundo não ouvia ninguém e seguia apenas sua própria intuição. Se lhe soasse bem ele a incluiria entre as faixas do álbum e ponto final. Não era uma pessoa fácil de se lidar profissionalmente. A despeito disso porém temos que admitir que sua intuição quase nunca falhou como comprovamos em sua discografia oficial, onde seus álbuns saíam com resultado extremamente perfeito em termos técnicos.

"Come Fly With Me", a canção que abre o álbum é até hoje extremamente popular, tanto que foi regravada por diversos outros intérpretes ao longo dos anos (nenhuma versão posterior conseguiu chegar perto do talento de Sinatra na música é bom frisar). Como já foi dito todas as canções evocam lugares ao redor do mundo. Essa era a ideia, o conceito do álbum em si. Assim somos levados a caminhar no outono de Nova Iorque em"Autumn in New York", canção que obviamente não consegue se equiparar ou rivalizar em termos de popularidade com outra música de Sinatra sobre a cidade, o hino definitivo do cantor, "New York, New York", mas que tem melodia bonita e levemente melancólica. A cidade luz também não poderia faltar e assim o ouvinte é levado a passear por uma idealizada Paris em "April in Paris", que tem um arranjo com forte presença orquestral acompanhando ótimas notas alcançadas por Sinatra. A cidade inclusive seria duplamente homenageada no relançamento em CD com "I Love Paris" de Cole Porter, faixa não lançada na edição original, o que convenhamos foi um pecado.

O Havaí também não poderia faltar na lista. "Blue Hawaii", canção que depois seria regravada por Elvis Presley, é uma das melhores melodias cantadas por Sinatra. Até o Brasil entrou na dança com a popular "Aquarela do Brasil" de Ary Barroso em versão americana escrita por Bob Russel. Curiosamente a canção acabou sendo mais conhecida lá fora como "Brazil". Eu pessoalmente gosto da versão de Sinatra nesse disco mas como brasileiro afirmo que o excesso de arranjos ao estilo jazz tradicional lhe tirou grande parte de sua personalidade. De qualquer forma não deixa de ser um prazer ouvir Sinatra cantando a terrinha com tanta paixão e convicção. Seu vocal é perfeito.

"Come Fly With Me" chegou nas lojas americanas pela primeira vez em janeiro de 1958 e foi um sucesso, logo chegando ao primeiro lugar das paradas da revista Billboard. Na época Sinatra torcia o nariz pois seus álbuns conseguiam chegar bem nas paradas mas seus singles geralmente fracassavam na parada americana. Ele deveria ter levado em conta que os discos da Capitol só funcionavam melhor mesmo quando apreciados em conjunto - com todas as canções - o que de certa forma desqualificavam seus singles como audição única. De qualquer maneira o LP serviu ainda mais para reerguer uma das melhores vozes da história da música popular americana.

Come Fly With Me - Frank Sinatra - Produção de Billy May - Faixas: "Come Fly With Me" (Sammy Cahn, Jimmy Van Heusen) "Around the World" (Victor Young, Harold Adamson) "Isle of Capri" (Will Grosz, Jimmy Kennedy) "Moonlight in Vermont" (Karl Suessdorf, John Blackburn) "Autumn in New York" (Vernon Duke) "On the Road to Mandalay" (Oley Speaks, Rudyard Kipling) "Let's Get Away from It All" (Matt Dennis, Tom Adair) "April in Paris" (Duke, E.Y. Harburg) "London By Night" (Carroll Coates) "Aquarela do Brasil" (Ary Barroso, Bob Russell) "Blue Hawaii" (Leo Robin, Ralph Rainger) "It's Nice to go Trav'ling" (Cahn, Van Heusen) / Faixas Bônus no relançamento em CD: "Chicago" "South of the Border" (Jimmy Kennedy, Michael Carr) e "I Love Paris" (Cole Porter)

Pablo Aluísio.